“Poesia é arte. E, como toda Arte, exige tonalidade, cor, brilho, criatividade, o artista e o admirador. Mas, acima de tudo, a alma de quem cria e de quem olha e enxerga!”
Poesia e Arte
“Poesia é arte. E, como toda Arte, exige tonalidade, cor, brilho, criatividade, o artista e o admirador. Mas, acima de tudo, a alma de quem cria e de quem olha e enxerga!”
O amor
Luís Vaz de Camões
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Lia e Raquel
Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel serrana bela,
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prêmio pretendia.
.
Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la:
Porém o pai usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.
.
Vendo o triste pastor que com enganos
Assim lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida.
Canção do exílio
Canção do Exílio
Gonçalves Dias
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Meus oito anos
Casimiro de Abreu
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
.
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar! .
Deus
Casimiro de Abreu
E brincava na praia; o mar bramia
E, erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca escuma para o céu sereno.
"Que dura orquestra! Que furor insano!
Que pode haver maior do que o oceano,
Ou que seja mais forte do que o vento?!"
E respondeu: - Um ser que nós não vemos
"É maior do que o mar que nós tememos,
Mais forte que o tufão! Meu filho, é Deus!"
Simpatia
Casimiro de Abreu
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia - meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'agosto
É o que m'inspira teu rosto...
- Simpatia - é quase amor.
Via Láctea
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
A via-láctea, como um pálio aberto,Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
A velhice
A Velhice
Olavo Bilac
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
As pombas
Raimundo Correia
Vai-se outra mais ... mais outra, enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada ...
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...
Mar Portuguez
Fernando Pessoa
.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Quem te sagrou criou-te portuguez..
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.
Mar Portuguez II
Fernando Pessoa
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Autopsicografia
Fernando Pessoa
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Percepção
Alberto A. Maia
Mas baços estão os teus olhos.
Do espectro filtras das cores, sombrias cores
Não porque são, mas porque vês ;
E dos reflexos – imagem real da minha vida –
Não compartilhas, te são ausentes, ocultos.
Quem te lesou as janelas
Que mais que singelas
Fontes seriam de eterno carinho
Luz espalhada, um lar, um abrigo,
Jardim de encontro, os meus olhos nos teus?
Poente
Poente
Alberto A. MaiaAntes que o dia caia e se ponha o sol
Deixando no horizonte a vermelhidão do poente
Encerrando movimentos, desfazendo formas
Quero viver cada momento, cada instante fugaz,
Cada minuto repente,
Como se o vislumbre da última curva da estrada
Me desse conta da fragilidade das minhas conquistas,
Leves como bolhas de sabão
Cujas faces espectrais de beleza multicolorida
Dissolvem no ar..
Mas, se tão breve é esta vida, frágil como orvalho
Devo vivê-la tão intensa
Quanto intenso é este desejo latente
Grito sem voz, dor incontida
Sonhos que brotam na aridez e nas pedras
.Como galhos em correnteza arrastados
Como folhas ao vento levados
Vai-se sem rumo nesse dia-após-dia
Curtindo ausências, vivendo apatia
Caminho vazio quando a vida é vazia..
Importa nascer de novo
Romper cadeias, prisões assimiladas
Quebrar o encantamento das palavras
Idéias digeridas, somatizadas
Valores deformados, separação
Feitiço que cerra olhos e alma
Distância... Saudade... Solidão..
Antes que o dia caia e se ponha o Sol
Neste fim de tarde...
Quero ver a luz dos teus olhos, te abraçar
Viver tão perto a presença distante
Que o meu coração mesmo diante
De um simples carinho e pequena alegria
Não sinta a falta, seja completo... seja poesia.